sábado, 21 de maio de 2016


                                        Cinco / Vinte e um



   Eu sou uma criança de cinco anos. Filha única. Eu brinco sozinha, como sozinha, vou sozinha pra escola. E veja bem, eu gosto de estar sozinha. Quando meus primos ou filhos de amigos dos meus pais vem fazer um visita, eu fico um pouco incomodada. Não sei como cumprimenta-los, não sei como sugerir uma brincadeira, não sei como lidar com as novas regras da brincadeira e também não sei me despedir. "Aparece lá em casa pra gente brincar", eles dizem. Mas eu nunca apareço. As vezes porque não quero, as vezes porque não deixam. E apesar de gostar da solidão, eu preciso de alguém para me ajudar no dever de casa, eu preciso de alguém pra contar como foi a escola, preparar meu café e me colocar pra dormir. Minha mãe diz que ela tem que ser minha melhor amiga, mas ela fica brava e me olha esquisito quando conto o que sinto. Eu tenho vergonha de falar em casa, o desconforto é notável. Eu desenho muito, canto muito e imagino coisas absurdamente fantasiosas e realidades paralelas. Eu amo alfajor da Turma da Mônica.
   Eu sou uma mulher de vinte e um anos. Tenho irmãos por parte de pai e mãe. Eu vou pro cinema sozinha, como sozinha e vou pra faculdade sozinha. E veja bem, eu gosto de estar sozinha. Quando estou em alguma festa ou bar, eu fico um pouco incomodada. Não sei como cumprimentar pessoas, não sei como lidar com caras, não sei como lidar com as regras sociais e sei muito bem me despedir. "Aparece lá em casa, vamos dar uma festa", eles dizem. Mas eu nunca apareço. As vezes porque não quero, as vezes porque não tenho grana. E apesar de gostar da solidão, eu preciso de alguém pra me ajudar a continuar viva, eu preciso de alguém pra contar como foi o dia, tomar um café e dormir comigo. Minha mãe diz que ela tem que ser minha melhor amiga, mas ela fica brava e me olha esquisito quando conto o que sinto. Eu tenho vontade de sair de casa, o desconforto é notável. Eu desenho muito, canto muito e imagino coisas absurdamente fantasiosas e realidades paralelas. Eu amo alfajor da Turma da Mônica.

terça-feira, 1 de março de 2016


                     A fada cantora gritando no silêncio 


   Alguns anos atrás eu escrevi uma música que dizia " Gritando em silêncio". Uma amiga do colégio, pra quem mostrei a música na época, me disse "Como alguém pode gritar estando em silêncio, Julia? Não faz sentido, apaga isso". Com a passagem dos anos e a chegada da internet eu acabei descobrindo que essa frase era mais comum do que parecia. E descobri também que eu ainda iria gritar muito no silêncio ao longo dessa vida.

   A vida ainda está se prolongando pra mim, mas eu sinto o poder dessa frase com bastante frequência. Nunca foi muito fácil pra mim falar o que eu pensava. Desde o dia da fada cantora. Aconteceu no fim da primeira série, onde eu e meus colegas de turma tinhamos que desenhar a nossa profissão no futuro. E eu me desenhei com asas de fada e cantando em um microfone com pedestal colorido. Meus amigos que estavam na mesa do lado riram, afinal eu não sabia cantar e muito menos era uma fada. Mas eu sabia cantar e meu avô sempre dizia que iria me levar no programa do Raul Gil. Eu amassei o desenho e me fiz com um jaleco,cuidando de animais. Cresci dizendo pro meu pai que seria veterinária e só aos meus 18 anos ele descobriu que eu sabia cantar.
 
   Foi assim sempre, era só abrir a boca pra falar o que eu estava sentindo que frases como "Eu em, que ideia é essa agora?", "Julia, você ta muito esquista" e "Ta maluca?" apareciam. Com o tempo foi ficando ainda pior. Eu me vi perdendo amigos, estudando o que não gostava e vivendo de uma forma completamente esquisita porque no começo, de alguma forma, eu menti ou ocultei o que realmente sentia. E quando por algum motivo eu falava, as pessoas achavam que eu estava surtando e que precisava voltar ao normal. Ou simplesmente iam embora.
 
   Isso ainda acontece. E acho que todos ocultam um pouco o que sentem de verdade. Mas quando isso começa a ser muito frequente, você simplesmente esquece como é agir normalmente. Esquece como é ser a fada cantora.